Branco pálido de náusea e ruído
Branco de paz de limbo de cegueira
Papel branco de fogo brando rótulo de remédio e bandeira
Papel que me amassa
Que me dobra e me faz de formas de pássaros diversos
Piranhas esculpidas cola de criança sêmen estéril olho arrancado
De livro que não ajuda
Guia de viagem cheque contracheque recibo do ano passado
Carta velha
De amor: se perdeu.
Conta de luz azul branco relógio atrasado
Holerite: e o sorriso de tantos surge por tão pouco.
Vai me arrastando de rua em rua de sala em sala
Autentica carimba
Cospe rasga
Amassa fornica tinta mata-borrão mata mais uma tarde quente na fila no filo cordata
E nas paredes o papel e não mão
O dinheiro de papel roupas de papel
Literatura de cordel
Livro de direito (todo errado)
Contos de bordel.
Limpa a boca enxuga rosto suado de rotina
Toalha de papel
Guardanapo declaração em cera e papel machê posto embaixo do travesseiro
Carta de demissão: e as lágrimas surgem por tão pouco.
Deita sobre faz arte escreve protesto paixão
Limpa sangue de corte bunda de merda alma de preocupação
Com valor e números impressos
Riscos imersos
Em pau-brasil
papiro
sonhos de vagas e assinaturas
Assim leva o pombo sem razão e má-vontade
Joga no lixeiro
Recicla
Ganha novo espírito
Batistério
Identidade que diz quem é (eu não consigo)
Óbito que diz quem se libertou dos dias.
Entrada ingresso avião caído na sala de aula
Jornal notícia levada pro campo pra cidade dentes trincando sem frio
Viva la revolutìon; mil empregos amassados como papel; menina violentada como papel; apartamento vago, carro a venda; inflação
Violentada como papel
Violeta feita de papel
Menina violentada como papel
lentamente
violentamente.
violetamente
Origami
Kirigami
Antrogami
Dobra homem.
Que dessas vertigens só me sobra o pacato direito de sofrer, homem do sertão ou do palácio frívolo feito de carne e mentira; essas tantas manhãs e noites sem razão pra dormir além do próprio sono: e o caos surge por tão pouco.
Papel estilhaço vidro moído na garganta
Papel e medo
Onde escrevem o nascimento da glória a mentira do milênio e as cinzas da história caindo na varanda de novembro.
Extra: o salário a multidão o automóvel o rasgão o ópio a solidão.
Papel que voa e que navega que dobra e que se entrega
Papel sátira papel piada papel palavrão
Papel ciência papel sangue papel arte
Papel repúdio papel sonho papel violência
Que nele eu li o mundo
Desenhei devaneios
Fiz beijinhos de alfazema
E onde antes do lento suicídio
Pousarei meu último poema.
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